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graças à sua atividade e fertilidade de recursos.
De quando em quando, publicava um folheto O Cobreiro, Etiologia, Profilaxia e Tratamento
ou Contribuição para o Estudo da Sarna no Bra- sil; e mandava o folheto, quarenta e sessenta páginas,
aos jornais que se ocupavam dele duas ou três vezes por ano; o "operoso doutor Armando Borges, o
ilustre clínico, o proficiente médico dos nossos hospitais", etc., etc.
Obtinha isso graças à precaução que tomara em estudante de se rela- cionar com os rapazes da
imprensa.
Não contente com isso escrevia artigos, estiradas compilações, em que não havia nada de
próprio, mas ricos de citações em francês, inglês e alemão.
O lugar de lente é que o tentava mais; o concurso porém, metia-lhe medo. Tinha elementos,
estava bem relacionado e cotado na congregação, mas aquela história de argüição apavorava-o.
Não havia dia em que não comprasse livros, em francês, inglês e ita- liano, tomara até um
professor de alemão, para entrar na ciência germâ- nica; mas faltava-lhe energia para o estudo
prolongado e a sua felicidade pessoal fizera evolar-se a pequena que tivera quando estudante.
A sala da frente do alto porão tinha sido transformada em biblioteca. As paredes estavam
forradas de estantes que gemiam ao peso dos grandes tratados. À noite, ele abria as janelas das
venezianas, acendia todos os bicos-de-gás e se punha à mesa, todo de branco com um livro aberto sob
os olhos.
O sono não tardava a vir ao fim da quinta página... Isso era o diabo! Deu em procurar os livros
da mulher. Eram romances franceses, Goncourt, Anatole France, Daudet, Maupassant, que o faziam
dormir da mesma maneira que os tratados. Ele não compreendia a grandeza daquelas análi- ses,
daquelas descrições, o interesse e o valor delas, revelando a todos, à sociedade, a vida, os sentimentos,
as dores daqueles personagens, um mundo! O seu pedantismo, a sua falsa ciência e a pobreza de sua
instrução geral faziam-no ver, naquilo tudo, brinquedos, passatempos, falatórios, tanto mais que ele
dormia à leitura de tais livros.
Precisava, porém, iludir-se, a si mesmo e à mulher, De resto, da rua, viam-no e se dessem com
ele a dormir sobre os livros?!... Tratou de enco- mendar algumas novelas de Paulo de Kock em
lombadas com títulos troca- dos e afastou o sono.
A sua clínica, entretanto, prosperava. De comandita com o tutor, chegou a ganhar uns seis
contos, tratando de um febrão de uma órfã rica.
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Desde muito que a mulher lhe entrara na sua simulação de inteligên- cia, mas aquela manobra
indecorosa, indignou-a. Que necessidade tinha ele disso? Não era já rico? Não era moço? Não tinha o
privilégio de um título universitário? Tal ato pareceu à moça mais vil, mais baixo, que a usura de um
judeu, que o aluguel de uma pena...
Não foi desprezo, nojo que ela teve pelo marido; foi um sentimento mais calmo, menos ativo;
desinteressou-se dele, destacou-se de sua pessoa. Ela sentiu que tinham cortado todos os laços de
afeição, de simpatia, que prendiam ambos, toda a ligação moral, enfim.
Mesmo quando noiva, verificara que aquelas coisas de amor ao estudo, de interesse pela
ciência, de ambições de descobertas, nele, eram superficiais, estavam à flor da pele; mas desculpou.
Muitas vezes nós nos enganamos sobre as nossas próprias forças e capacidades; sonhamos ser
Shakespeare e saímos Mal das Vinhas, Era perdoável, mas charlatão? Era demais!
Passou-lhe um pensamento mau, mas de que valeria essa quase indig- nidade?... Todos os
homens deviam ser iguais; era inútil mudar deste para aquele...
Quando chegou a esta conclusão, sentiu um grande alívio, e a sua fisionomia se iluminou de
novo como se já estivesse de todo passada a nuvem que empanava o sol dos seus olhos.
Naquela carreira atropelada para o nome fácil, ele não deu pelas modificações da mulher. Ela
dissimulava os seus sentimentos, mais por dig- nidade e delicadeza, que mesmo por qualquer outro
motivo; e a ele falta- vam a sagacidade e finura necessárias para descobri-los sob o seu esconderijo.
Continuavam a viver como se nada houvesse, mas quanto estavam longe um do outro! ...
A revolta veio encontrá-los assim; e o doutor, desde três dias, pois há tanto ela rebentara,
meditava a sua ascensão social e monetária,
O sogro suspendera a viagem à Europa, e, naquela manhã, após o almoço, conforme o seu
hábito, lia recostado numa cadeira de viagem os jornais do dia. O genro vestia-se e a filha ocupava-se
com sua correspon- dência, escrevendo à cabeceira da mesa de jantar. Ela tinha um gabinete, com todo
o luxo, livros, secretária, estantes, mas gostava pela manhã, de escrever ali, ao lado do pai. A sala lhe
parecia mais clara, a vista para a montanha, feia e esmagadora, dava mais seriedade ao pensamento e a
vas- tidão da sala mais liberdade no escrever.
Ela escrevia e o pai lia; num dado momento ele disse:
Sabes quem vem ai, minha filha?
Quem é?
Teu padrinho. Telegrafou ao Floriano, dizendo que vinha... Está aqui, n'O País.
A moça adivinhou logo o motivo, o modo de agir e reagir do fato sobre as idéias e sentimentos
de Quaresma. Quis desaprovar, censurar; sen- tiu-o, porém, tão coerente com ele mesmo, tão de
acordo com a substância da vida que ele mesmo fabricara, que se limitou a sorrir complacente:
O padrinho...
Está doido, disse Coleoni. Per la madonna! Pois um homem que está quieto, sossegado,
vem meter-se nesta barafunda, neste inferno...
O doutor voltara já inteiramente vestido, com a sobrecasaca fúnebre e a cartola reluzente na
mão. Vinha irradiante e o seu rosto redondo relu- zia, exceto onde o grande bigode punha sombras.
Ainda ouviu as últimas palavras do sogro, pronunciadas com aquele seu português rouco:
Que há? perguntou ele.
Coleoni explicou e repetiu os comentários que já fizera:
Mas não há tal, disse o doutor. É o dever de todo patriota... Que tem a idade? Quarenta e
poucos anos, não é lá velho... Pode ainda bater- se pela República...
Mas não tem interesse nisso, objetou o velho.
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E há de ser só quem tem interesse que se deve bater pela República? interrogou o doutor.
A moça que acabava de ler a carta que tinha escrito, mesmo sem levantar a cabeça, disse:
Decerto.
E vem você com as suas teorias, filhinha. O patriotismo não está na barriga...
E sorriu com um falso sorriso que o brilho morto dos seus dentes postiços mais falsificava.
Mas vocês só falam em patriotismo? E os outros? É monopólio de vocês o patriotismo? fez
Olga.
Decerto. Se eles fossem patriotas não estariam a despejar balas para a cidade, a entorpecer,
a desmoralizar a ação da autoridade constituída.
Deviam continuar a presenciar as prisões, as deportações, os fuzi- lamentos, toda a série de
violências que se vêm cometendo, aqui e no Sul?
Você, no fundo, é uma revoltosa, disse o doutor, fechando a dis- cussão.
Ela não deixava de ser. A simpatia dos desinteressados, da popula- ção inteira era pelos
insurgentes. Não só isso sempre acontece em toda parte, como particularmente, no Brasil, devido a
múltiplos fatores, há de ser assim normalmente.
Os governos, com os seus inevitáveis processos de violência e hipocri- sias, ficam alheados da
simpatia dos que acreditam nele; e demais, esqueci- dos de sua vital impotência e inutilidade, levam a
prometer o que não podem fazer, de forma a criar desesperados, que pedem sempre mudanças e
mudanças.
Não era, pois, de admirar que a moça tendesse para os revoltosos; e Coleoni, estrangeiro e
conhecendo, graças à sua vida, as nossas autorida- des, calasse as suas simpatias num mutismo
prudente.
Não me vá comprometer, hein Olga?
Ela se tinha levantado para acompanhar o marido. Parou um pouco, deitou-lhe o seu grande
olhar luminoso, e com os finos lábios um pouco franzidos:
Você sabe bem que eu não te comprometo.
O doutor desceu a escada da varanda, atravessou o jardim e ainda do portão disse adeus à
mulher, que lhe seguia a saída, debruçada na varanda, conforme o ritual dos bem ou mal casados.
Por esse tempo, Coração dos Outros sonhava desligado das contin- gências terrenas.
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